POSTAGEM 38
ENSINO DE HISTÓRIA: SABER HISTÓRICO
ESCOLAR;
Algumas afirmações são recorrentes quando se coloca
em discussão o ensino de História e a formação de professores da disciplina para a escola básica. Documentos emitidos por historiadores ressaltam, por exemplo, a indissolubilidade dos laços entre o ensino e a pesquisa nos cursos
de formação do professor de História. A pesquisa a que
se referem, contudo, é a pesquisa acadêmica, que produz
o conhecimento histórico, acadêmico, que pode ser destituído de qualquer relação com os objetivos do ensino de
História. Por outro lado, a História a ser ensinada ou a que
é apreendida pelos alunos não é considerada como um
possível objeto de pesquisa. Subentende-se que a História
como disciplina escolar prescinda de qualquer construção
específica, pois é a divulgação e a difusão, em linguagem
apropriada à faixa etária dos alunos, do conhecimento produzido nas universidades e outras instituições de pesquisa. Daí decorre que a produção de currículo não passa de
listagem de conteúdos, listagem esta produzida seguindo
parâmetros desta ou daquela Metodologia da História, que
permita, contudo, que certas permanências se evidenciem.
Urna dessas permanências sem dúvida é a periodização
clássica, que depois de duas décadas de introdução dos eixos temáticos, vem presentemente retomando com muita
força a tradição curricular.
Pesquisas vêm mostrando distorções na formação histórica dos alunos. Conceitos históricos, como o de revolução, não expressam, em alunos do terceiro ano do ensino
médio de escola pública, avanços de aprendizagem, mas
denotam a permanência do senso comum e apontam importância maior das representações sociais que se constroem independentemente do ambiente escolar. Em outra
pesquisa, em 5ª série de escola municipal de São Paulo,
alunos afirmaram que a construção da História se faz por
meio de vestígios, deixados pelas sociedades do passado.
O historiador volta ao passado, segundo alguns alunos,
utilizando uma máquina do tempo, segundo outros atravessando um portal e nessa viagem recupera os vestígios
com os quais escreverá seus livros. Um aluno afirmou que
os homens das cavernas eram historiadores, que voltaram
ao passado e não conseguiram voltar. Parece claro que os
meios de comunicação, como a televisão e o cinema deram
uma importante contribuição para que os alunos elaborassem suas concepções de História e de tempo histórico.
Os professores das turmas pesquisadas são o que podemos chamar de bons professores: formados por cursos
superiores em universidades nas quais o binômio ensino-pesquisa é valorizado, são interessados, permitiram o
desenvolvimento da pesquisa em suas aulas com muita
boa-vontade, demonstram domínio do conteúdo, usam
técnicas e recursos didáticos, como fotos, filmes e vídeos.
Mantêm um relacionamento cordial com os alunos que se
mantêm relativamente atentos durantes as aulas.
O conhecimento histórico escolar não pode ficar preso a análise de processos puramente cognitivos, independentes da vivência dos alunos, que lhes dá sustentação: o
cognitivo é sempre sócio-cognitivo. Os alunos tendem a
elaborar conceitos de acordo com sua experiência vivida e
não formalizam o conhecimento histórico, se não tiverem a
possibilidade de vivenciar movimentos e conceitos históricos, colocados em questão na sala de aula. Os indícios fornecidos pelos textos históricos sejam eles o texto expresso
pelo professor ou do manual didático, se concretizam no
momento em que outros elementos da aprendizagem entram em jogo, como analogia e a empatia.
Para se apropriar de conceitos e noções presentes nos
programas e planejamentos escolares, os alunos procedem
segundo uma categorização, organizada a partir do acontecimento mais próximo ou mais familiar. A partir de um protótipo, uma espécie de nível básico para uma compreensão
mais sólida, as noções suscetíveis de enriquecer tal nível
de conceitualização por processos figurativos e, sobretudo
por analogias. Para compreender o papel do exército nas
ditaduras da América do Sul, por exemplo, os alunos recorrem ao nazismo e ao fascismo, ou para compreender a
sociedade do Antigo Regime, elaboram, uma grade social
simplificada, nobres (ricos) e camponeses (pobres), multo
semelhante à que lhes foi apresentada ao estudar a Idade
Média. Uma boa escolha para situar socialmente os nobres
e os camponeses, mas a mesma grade peca por omitir a
burguesia. Os mesmos processos analógicos se notam na
relação entre fatos do passado e do presente e não somente em relação a dois fatos do passado, próximo ou distante.
Para abordar os temas propostos os alunos utilizam-
-se de representações construídas na e fora da escola. Na
medida em que os conceitos históricos são compreendidos
pela sua relação com a realidade que o sujeito vivencia, ao
procurar explicações para uma situação do passado à luz
de sua própria experiência, mesmo sem apreciar as diferenças entre as suas crenças e valores e as de outra sociedade,
revela já um esforço de compreensão histórica.
Tal esforço de compreensão se revela a partir das tentativas de analisar as fontes históricas, o que constitui um
elemento fundamental na progressão do conhecimento
histórico. Contudo, os alunos dão sentido aos materiais
históricos ao utilizar elementos fornecidos por sua vivência atual, num movimento oscilante, no qual algumas vezes modos de pensar simplistas podem se alternar com
explicações mais elaboradas. Aliado da analogia para a o
desenvolvimento da compreensão histórica, o conceito de
empatia facilita a compreensão histórica, ao aproximar as
pessoas do passado às do presente. Há idéias e práticas do
passado que oferecem explicações pouco satisfatórias se
não forem analisadas na perspectiva da cultura, do sistema
de valores e até o senso comum, num contexto material
mais amplo, com o qual estão relacionados. O estudo do
passado, utilizando as fontes nas aulas de História deve ser
ancorado e contextualizado numa situação que faça sentido humano, obtido com a sua vivência e a experiência de
aprendizado dentro e fora da escola.
A compreensão histórica vem da forma como sabemos
como é que as pessoas viram as coisas, sabendo o que tentaram fazer, sabendo o que sentiram em uma determinada
situação. A História como disciplina escolar não serve para
“transformar os alunos em mini historiadores profissionais,
como ironicamente questionou Peter Lee, mas pode começar a ajudá-los aperceber como as interpretações históricas
são baseadas na evidência, que as explicações não são o
mesmo que afirmações factuais singulares, e que está na
natureza da história haver diversas versões do passado,
embora nada disto signifique que a História é apenas uma
questão de opinião.
A formação histórica revela e define fundamentalmente
os procedimentos da consciência histórica ou conhecimento histórico dando algumas indicações básicas sobre se dá
essa formação: em todos os processos de aprendizagem
que tem a história como objeto e que não se destinam,
em primeiro lugar, à obtenção de competência profissional.
Trata-se de um campo a que pertencem inúmeros fenômenos do aprendizado histórico: o ensino de História nas
escolas, a influência dos meios de comunicação de massa
e os fatores da vida humana prática (família, instituições e
colegas), entre outros.
Nesse campo se encontram além dos processos de
aprendizagem da ciência histórica, todos os demais que
servem à orientação da vida praticam mediante a consciência histórica. O conhecimento histórico é a principal
ferramenta na construção dessa consciência histórica, que
articula o passado com as orientações do presente e com
as determinações do sentido com as quais o agir humano
organiza suas intenções e expectativas no fluxo do tempo.
Mas, é nas escolas que se estuda a História e onde se cruzam de modo comprometido o conhecimento científico e
o conhecimento escolar, por que o ambiente escolar é privilegiado para que os alunos aprendam maneiras de pensar
sobre o passado que deverão ajudá-los a se orientar no
tempo, relacionando o passado, o presente e o futuro com
suas vivências como seres temporais.
As representações históricas que os alunos constroem
emergem de determinados processos da vida humana
prática, que interagem com o conhecimento escolar. Ao
analisar as relações entre a História acadêmica e a História
ensinada nas escolas, questiona-se não somente a ambigüidade do termo, como também a dupla face da História:
de um lado, ela é construída pelo ensino, no sentido mais
amplo do termo e por outro ela emerge da linguagem social. Ao enfatizar a ambigüidade, esse autor reforça as contradições que cruzam a função educativa da História e os
jogos sociais e políticos dos quais ela é objeto. Ele não considera a História como uma disciplina já instalada na escola,
pois mesmo que exista como “História oficial”, centralizada
nas opções e conjunturas que constituíram a formação da
nacionalidade, ela é, ao mesmo tempo, elaborada no meio
social e por isso recebe uma tradução, na qual é condicionada por posições sociais e políticas. Sublinhar a ambivalência constitutiva de suas referências exige uma reflexão
de natureza epistemológica sobre seus saberes e uma responsabilidade didática sobre sua transmissão.
Encurralada entre um distanciamento crítico e inculcação social, o campo do conhecimento histórico é atravessado por desafios: a erosão manifesta da noção de História
que exige um olhar distanciado para reabilitá-la; sua inserção
social, que se situa em diferentes níveis (nacional, mundial e
intercultural); a confrontação com outras disciplinas (como as
outras Ciências Sociais, o Direito), que interroga sua capacidade de pensar o possível. Considerando-se que os conteúdos
programáticos são feitos sob a sombra protetora da ciência
acadêmica, que sem dúvida é sua referência mais visível, desconhecem-se outras referências mais sutis da disciplina escolar: a prática e a cultura escolar, as representações sociais, o
material didático. Desconsideram-se, sobretudo, as relações
entre a História e a vida prática, ou em outras palavras, para
que serve a História ensinada nas escolas, que diferentemente da sua matriz acadêmica, tem como público aquele que
não é necessariamente, um pesquisador, um historiador.
A instituição escolar possui certa autonomia em relação
à demanda social que legitima sua função. Os professores
elaboram seus instrumentos de trabalho, suas modalidades
de intervenção, suas práticas profissionais que constituem
uma cultura própria da escola. A aceitação da existência de
uma cultura própria da escola levou a aprofundamentos a
respeito do ensino das disciplinas escolares e a formas pelas
quais se apresentavam, originando a discussão sobre a transposição didática, isto é, a origem e a transformação do saber
para que ele seja ensinado.
As interações entre o saber acadêmico, cultura escolar e
outros elementos componentes das representações sociais
dos alunos e professores constituem a base sobre a qual se
assenta o saber escolar. No interior de cada disciplina escolar,
as pesquisas didáticas integram a reflexão epistemológica,
para definir os conhecimentos relativos aos procedimentos
e noções a serem desenvolvidas pelos alunos para que cheguem a um nível de conhecimento, às articulações entre conhecimentos procedimentais e competências nocionais para
a resolução de determinadas tarefas em uma mesma disciplina ou em várias delas.
Ao trazer as questões para nossas aulas de História e a
organização curricular da História diferentes questões se colocam, pois se evidenciam a força do conhecimento acadêmico e as frágeis relações entre os currículos e programas, a
cultura escolar e a vivência dos sujeitos escolares. Primeiramente, somos portadores de uma tradição que nos mantém
como continuidade da civilização ocidental, que se iniciou
no Oriente Médio, quando os homens inventaram a escrita.
Acreditamos que, por isso, não podemos escapar de um ensino que não se organize pela cronologia e pela predominância da periodização clássica. A exclusão de Estudos Sociais e
a reintegração de História e Geografia como disciplinas escolares geraram novas propostas curriculares, nos anos 1980.
O surgimento de uma produção histórica que se pautava
por críticas às formas então consideradas tradicionais e pela
introdução de conceitos e categorias explicativas que até
então eram desconsideradas forneceram o embasamento necessário para que os novos currículos e propostas se
orientassem pela negação ao etnocentrismo, pela valorização do cotidiano como categoria explicativa e pela rejeição
ao quadripartismo da História.
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