Trandutor

domingo, 19 de julho de 2020

Coleção Brasil Colonial VOLUME I II III

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Brasil Colonial volume 1

Por João Ribeiro Fragoso (autor) Maria de Fátima Gouveia (autora)

Uma coleção com as Principais tendências da pesquisa histórica recente sobre o nosso período colonial. Os três volumes da coleção Brasil colonial reúne estudos sobre o longo período entre 1500 – 1808, desde as descobertas portuguesas até o estabelecimento da família real no Rio de Janeiro. Devido à pluralidade, a coleção não visa somente ao público universitário, mas também aos demais leitores e curiosos sobre nossa História.


Os artigos pretendem suprir uma grave deficiência da produção acadêmica que, por vezes, se mostra avessa às obras de divulgação. Estão aqui reunidas as principais tendências da pesquisas histórica nos últimos 20 anos. Volume 1: 1443 – ca. 1580 – O primeiro volume dedica-se ao século XVI, aos índios, às guerras de conquista, â catequese e à formação administrativa. Ficam ainda delimitadas duas importantes temáticas da coleção: a escravidão e os vínculos entre os súditos e a monarquia.

Brasil Colonial Volume 2
Por João Ribeiro Fragoso (autor) Maria de Fátima Gouveia (autora)

O segundo volume de uma coleção acessível com as principais tendências da pesquisa histórica recente sobre nosso período colonial. Volume 2: ca. 1580 – ca 1720 – Este segundo volume aborda a União Ibérica, trata do Brasil Holandês, das guerras e da expansão territorial, missionarão e religiosidade, economias açucareira e mercantil.
 Destacam-se ainda artigos dedicados à “nobreza da terra”, nobreza indígena” temas recentemente inseridos no debate historiográfico. 


O Brasil Colonial volume 3 ( 1720 - 1821 )
Por João Fragoso ( Autor )

O terceiro volume dedica-se à ilustração luso - brasileira, à " Monarquia pluricontinental" às reformas Politicas, militares e econômicas implantadas ao longo do século XVIII. Merece destaque a grande novidade dos artigos sobre a inserção social de pardos e os hábitos de consumo da sociedade senhorial.



livros de Gilberto Freyre: Casa - Grande & Senzala/ Sobrado e Mucambos/ Ordem E Progresso./ vários documentários

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Casa Grande - Senzala: fantástica obra de Gilberto Freyre publicada em 1933, nela o premiado autor que além de historiador também era sociólogo e antropólogo, aborda a formação da sociedade brasileira explorando a casa - grande e a senzala, usando como objeto de estudo a relação entre os senhores e os escravos e principalmente a miscigenação entre as reças como formação do povo brasileiro. Leitura obrigatória para se entender a história e a formação social do Brasil.

Gilberto Freyre morreu em 18 de julho de 1987 aos 87 anos de idade.


Vem enriquecida com um excelente prefácio de Roberto da matta, um atestado de como o estudo Clássico de Gilberto Freyre sobre a decadência do patriarcado rural e o desenvolvimento urbano continua atual, instigante e insuperável.


Ordem e progresso estuda o período de transição da Monarquia para a República, correspondente à  desintegração do patriarcalismo na sociedade brasileira, sob o regime de trabalho livre, quando o Brasil abre-se, em definitivo, para o mundo e a modernidade.



documentário a Casa Grande e a Senzala - A cunhã da Família Brasileira


Casa Grande e Senzala  -  a Imagem da Palavra - parte 01


                                     Casa Grande e Senzala  -  a Imagem da Palavra - parte 02




Globo Ciência Giberto Freyre Completo



Resumo da Obra Casa Grande e Senzala


Casa Grande e Senzala - Edição para aula



Eduardo Bueno Recomenda Casa Grande e Senzala

sexta-feira, 17 de julho de 2020

TEXTO DO LIVRO HISTÓRIA DAS CRIANÇAS NO BRASIL ( MARY DEL PRIORE )

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POSTAREI UM CAPITULO POR SEMANA.





Créditos
 Apresentação
 A história trágico-marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI, Fábio Pestana Ramos.
 Jesuítas e as crianças no Brasil quinhentista, Rafael Chambouleyron.

 O cotidiano da criança livre no Brasil entre a Colônia e o Império, Mary Del Priore.

 Criança esquecida das Minas Gerais, Julita Scarano.

A vida das crianças de elite durante o Império, Ana Maria Mauad.

 Crianças escravas, crianças dos escravos, José Roberto de Góes e Manolo Florentino.

 Os aprendizes da guerra, Renato Pinto Venancio.

Criança e criminalidade no início do século XX, Marco Antonio Cabral dos Santos.

 Brincando na história, Raquel Zumbano Altman.

 Crianças operárias na recém-industrializada São Paulo, Esmeralda Blanco Bolsonaro de Moura.

Meninas perdidas, Martha Abreu
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 Memórias da infância na Amazônia, Aldrin Moura de Figueiredo
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 Crianças carentes e políticas públicas, Edson Passetti
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 Pequenos trabalhadores do Brasil, Irma Rizzini.

 Crianças e adolescentes nos canaviais de Pernambuco, Ana Dourado,
 Christine Dabat e Teresa Corrêa de Araújo
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 Os autores
 Referências bibliográficas.
 das imagens.
 Agradecimentos.


SUMÁRIO

Apresentação

As crianças brasileiras estão em toda parte. Nas ruas, à saída das escolas, nas praças, nas praias. Sabemos que seu destino é variado. Há aquelas que estudam, as que trabalham, as que cheiram cola, as que brincam, as que roubam. Há aquelas que são amadas e, outras, simplesmente usadas. Seus rostinhos mulatos, brancos, negros e mestiços desfilam na televisão, nos anúncios da mídia, nos rótulos dos mais variados gêneros de consumo. Não é à toa que o comércio e a indústria de produtos infantis vêm aumentando progressivamente sua participação na economia, assim como a educação primária e o combate à mortalidade infantil tornam-se temas permanentes da política nacional. O bem-estar e o aprimoramento das relações entre pais e filhos são assuntos constantes de psicólogos, sociólogos, psicanalistas, enfim, de especialistas, que além de produzirem uma contribuição inédita para uma melhor inserção da criança na sociedade do ano 2000, veiculam seus conhecimentos em revistas e teses, propondo uma nova ética para a infância. 

No mundo atual, essas mesmas crianças passaram de reis a ditadores. Muitas de suas atitudes parecem incompreensíveis aos nossos olhos. Quase hostis. Uma angústia sincera transborda das interrogações que muitos de nós fazemos sobre o que é a infância e a adolescência. É como se as tradicionais cadeias de sociabilização tivessem se rompido nos dias de hoje. Sociabilização na qual os laços de obediência, de respeito e de dependência do mundo adulto acabam sendo trocados por uma barulhenta autonomia. Influência da televisão? Falta de autoridade dos pais? Pobreza e exclusão social de uma imensa parcela de brasileiros? Mais. E se tudo isso ocasionasse, nas margens da sociedade, uma brutal delinquência juvenil, ou, se gerasse um profundo mal-estar feito de incompreensão e brigas, mesmo entre as famílias mais equilibradas onde a presença dos pais e o excesso de amor substituem a educação? 

Ora essa quase onipresença infantil nos obriga, pois, a algumas questões. Terá sido sempre assim? O lugar da criança na sociedade brasileira terá sido sempre o mesmo? Como terá ela passado do anonimato para a condição de cidadão com direitos e deveres aparentemente reconhecidos? Numa sociedade desigual e marcada por transformações culturais, teremos recepcionado, ao longo do tempo, nossas crianças da mesma forma? Sempre choramos do mesmo jeito a sua perda? O que
diferencia as crianças de hoje, daquelas que as antecederam no passado? Mas há, também, questões mais contundentes: por que somos insensíveis às crianças que mendigam nos sinais? Por que as altas taxas de mortalidade infantil, que agora começam a decrescer, pouco nos interessam? Essas respostas, entre tantas outras, só a história pode dar. Não será a primeira vez que o saudável exercício de “olhar para trás” ajudará a iluminar os caminhos que agora percorremos, entendendo melhor o porquê de certas escolhas feitas por nossa sociedade. 

Para começar, a história sobre a criança feita no Brasil, assim como no resto do mundo, vem mostrando que existe uma enorme distância entre o mundo infantil descrito pelas organizações internacionais, pelas não governamentais e pelas autoridades, daquele no qual a criança encontra-se cotidianamente imersa. O mundo que a “criança deveria ser” ou “ter” é diferente daquele onde ela vive, ou no mais das vezes, sobrevive. O primeiro é feito de expressões como “a criança precisa”, “ela deve”, “seria oportuno que”, “vamos nos engajar em que”, até o irônico “vamos torcer para”. No segundo, as crianças são enfaticamente orientadas para o trabalho, para o ensino, para o adestramento físico e moral, sobrando-lhes pouco tempo para a imagem que normalmente a ela está associada: do riso e da brincadeira. 

No primeiro, habita a imagem ideal da criança feliz, carregando todos os artefatos possíveis de identificá-la numa sociedade de consumo: brinquedos eletrônicos e passagem para a Disneylândia. No segundo, o real, vemos acumularem-se informações sobre a barbárie constantemente perpetrada contra a criança, barbárie esta materializada nos números sobre o trabalho infantil, sobre a exploração sexual de crianças de ambos os sexos, no uso imundo que o tráfico de drogas faz dos menores carentes, entre outros. Privilégio do Brasil? Não! Na Colômbia, os pequenos trabalham em minas de carvão; na Índia, são vendidos aos cinco ou seis anos para a indústria de tecelagem. Na Tailândia, cerca de duzentos mil são roubados anualmente das suas famílias e servem à clientela doentia dos pedófilos. Na Inglaterra, os subúrbios miseráveis de Liverpool produzem os “baby killers”, crianças que matam crianças. Na África, 40% das crianças, entre sete e quatorze anos trabalham. Esses mundos opostos se contrapõem em imagens radicais de saciedade versus exploração. Como se não bastasse, as mudanças pelas quais passa o mundo real fazem delas também suas tenras vítimas: a crescente fragilização dos laços conjugais, a explosão urbana com todos os problemas decorrentes de viver em grandes cidades, a globalização cultural, a crise do ensino ante os avanços cibernéticos, tudo isso tem modificado, de forma radical, as relações entre pais e filhos e entre crianças e adultos. 

Pensar tais questões, assim como seus antecedentes históricos, vem sendo uma preocupação geral para especialistas ou não. O estudo das representações ou das práticas infantis é considerado tão importante que a historiografia internacional já acumulou consideráveis informações sobre a criança e seu passado. Na Europa, por exemplo, há trinta anos a demografia histórica ajudava a detectar qual a expectativa de vida, qual o papel da criança nas estruturas familiares, quais os números do abandono infantil ou da contracepção. Em 1948, o pioneiro francês Philippe Ariés lançava os primeiros estudos sobre a questão. O seu História das populações francesas e de suas atitudes face à vida desde o século XVIII trazia, então, um capítulo completo sobre a criança e a família. A seguir, o clássico A criança e a família no Antigo Regime, datado de 1960, apresentava duas teses que revolucionariam o tema: a escolarização, iniciada na Europa do século XVI e levada a cabo por educadores e padres, católicos e protestantes, provocou uma metamorfose na formação moral e espiritual da criança, em oposição à educação medieval feita apenas pelo aprendizado de técnicas e saberes tradicionais, no mais das vezes, ensinado pelos adultos da comunidade. A Idade Moderna passa a preparar o futuro adulto nas escolas. A criança, esse potencial motor da História, é vista como o adulto em gestação. Concomitantemente a essa mudança, a família sofreu, ela também, uma profunda transformação com a emergência da vida privada e uma grande valorização do foro íntimo. A chegada destas duas novidades teria acelerado, no entender de Ariés, a supervalorização da criança. Apesar de todas as críticas que essas teses receberam, sobretudo quanto à percepção de um certo “evolucionismo” na condição histórica da criança – na Idade Média ela não significaria muito para seus pais, passando à condição de “reizinho do lar” com a evolução da sociedade burguesa –, as teses de Ariés instigam o historiador brasileiro a procurar suas próprias respostas. E por quê? 

Em primeiro lugar, entre nós, tanto a escolarização quanto a emergência da vida privada chegaram com grande atraso. Comparado aos países ocidentais onde o capitalismo instalou-se no alvorecer da Idade Moderna, o Brasil, país pobre, apoiado inicialmente no antigo sistema colonial e, posteriormente, numa tardia industrialização, não deixou muito espaço para que tais questões florescessem. Sem a presença de um sistema econômico que exigisse a adequação física e mental dos indivíduos a esta nova realidade, não foram implementados os instrumentos que permitiriam a adaptação a este novo cenário. 

Desde o início da colonização, as escolas jesuítas eram poucas e, sobretudo, para poucos. O ensino público só foi instalado, e mesmo assim de forma precária, durante o governo do marquês de Pombal, na segunda metade do século XVIII. No século XIX, a alternativa para os filhos dos pobres não seria a educação, mas a sua transformação em cidadãos úteis e produtivos na lavoura, enquanto os filhos de uma pequena elite eram ensinados por professores particulares. No final do século XIX, o trabalho infantil continua sendo visto pelas camadas subalternas como “a melhor escola”. “O trabalho [explica uma mãe pobre] é uma distração para a criança. Se não estiverem trabalhando, vão inventar moda, fazer o que não presta. A criança deve trabalhar cedo”. E pior, afogados hoje pelo trabalho. No Nordeste, quase 60% desses pequenos trabalhadores são analfabetos e entre eles a taxa de evasão escolar chega a 24%. No Sul do país o cenário não é muito diferente. Trabalhando em lavouras
domésticas ou na monocultura, as crianças interrompem seus estudos na época da colheita, demonstrando que estar inscrito numa escola primária, não significa poder frequentá-la plenamente. Assim, o trabalho, como forma de complementação salarial para famílias pobres ou miseráveis, sempre foi priorizado em detrimento da formação escolar. 

Quanto à evolução da intimidade, sabemos como ela sempre foi precária entre nós. Os lares monoparentais, a mestiçagem, a pobreza material e arquitetônica – exemplificada nos espaços onde se misturavam indistintamente crianças e adultos de todas as condições –, a presença de escravos, a forte migração interna capaz de alterar os equilíbrios familiares, a proliferação de cortiços no século XIX e de favelas no XX, são fatores que alteravam a noção que se pudesse ter no Brasil, até bem recentemente, de privacidade tal como ela foi concebida pela Europa urbana, burguesa e iluminista. 

Não poderíamos tampouco incorporar as teses de um epígono americano de Ariés, Lloyd de Mause, para quem a história dos pequenos seria apenas um catálogo de barbáries, maus tratos e horrores. No que diz respeito à história do Brasil, encontramos de fato, passagens de terrível sofrimento e violência. Mas não só. Os relatos de naufrágios da Carreira das Índias retratam dolorosas separações entre pais e filhos. Os testamentos feitos por jovens mães no século XVII não escondem a preocupação com o destino de seus “filhinhos do coração”. Os viajantes estrangeiros não cessaram de descrever o demasiado zelo com que, numa sociedade pobre e escravista, os adultos tratavam as crianças. As cartas desesperadas de mães, mesmo as escravas analfabetas, tentando impedir que seus rebentos partissem para a Guerra do Paraguai, sublinhavam a dependência e os sentimentos que se estabeleciam entre umas e outros. Nos dias de hoje, educadores e psicólogos atônitos perguntam-se de onde vem o excesso de mimos e a “falta de limites” da criança brasileira, já definida, segundo os resmungos de um europeu de passagem pelo Brasil em 1886, como “pior do que um mosquito hostil”. 

Assim, a historiografia internacional pode servir de inspiração, mas não de bússola. As lições devem começar em casa: mestre Gilberto Freyre, em 1921, manifestava seu desejo de

escrever uma história do menino da sua vida – dos seus brinquedos, dos seus vícios – brasileiro, desde os tempos coloniais até hoje. Já comecei a tomar notas na biblioteca de Oliveira Lima, [anotava ele] nos cronistas coloniais, nos viajantes, nas cartas dos jesuítas. Sobre meninos de engenho, meninos do interior, da cidade. Os órfãos dos colégios dos jesuítas. Os alunos dos padres. Os meninos mestiços. De crias da casa-grande. De afilhados de senhores de engenhos, de vigários, de homens ricos, educados como se fossem filhos por esses senhores. É um grande assunto. E creio que só por uma história deste tipo – história sociológica, psicológica, antropológica e não cronológica – será possível chegar-se a uma ideia sobre a personalidade do brasileiro. É o menino que revela o homem.

Ora, os historiadores brasileiros têm que partir de constatações bem concretas, tiradas na maior parte das vezes das fontes documentais com as quais trabalham. Devem contar também com sua observação crítica da realidade para relatar sua própria história. 

A primeira dessas constatações aponta para uma sociedade certamente injusta na distribuição de suas riquezas, avara com o acesso à educação para todos e vincada pelas marcas do escravismo. Como fazer uma criança obedecer a um adulto, como queria a professora alemã que, na segunda metade do século XIX, vai às fazendas do vale do Paraíba ensinar os filhos dos fazendeiros de café, quando esses distribuem ordens e gritos entre os seus escravos? E não são apenas as crianças brancas que possuem escravos. As mulatas ou negras forras, uma vez que seus pais integraram-se ao movimento de mobilidade social que teve lugar em Minas Gerais na primeira metade do século XVIII, tiveram também seus escravos. Muitas vezes, seus próprios parentes ou até meio irmãos! Na sociedade escravista, ao contrário do que supunha a professora alemã, a criança mandava e o adulto escravo obedecia. 

A dicotomia dessa sociedade, dividida entre senhores e escravos, gerou outras impressionantes distorções que estão até hoje presentes. Tomemos o tão discutido exemplo do trabalho infantil. Dos escravos desembarcados no mercado do Valongo, no Rio de Janeiro do início do século XIX, 4% eram crianças. Destas, apenas um terço sobrevivia até os 10 anos. A partir dos quatro anos, muitas delas já trabalhavam com os pais ou sozinhas, pois perder-se de seus genitores era coisa comum. Aos doze anos o valor de mercado dessas crianças já tinha dobrado. E por quê? Pois considerava-se que seu adestramento já estava concluído e nas listas dos inventários já apareciam com sua designação estabelecida: Chico “roça”, João “pastor”, Ana “mucama”, transformados em pequenas e precoces máquinas de trabalho. 

Com a abolição da escravidão, as crianças e adolescentes moradores de antigas senzalas, continuaram a trabalhar nas fazendas de cana de Pernambuco. Tinham a mesma idade de seus avós quando esses começaram: entre sete e quatorze anos. Ainda hoje, continuam cortando cana e despossuídas das condições básicas de alimentação, moradia, saúde, educação e garantias trabalhistas. Como no passado, o trabalho doméstico entre as meninas é uma constante, constituindo-se num “outro” turno, suplementar ao que se realiza no campo. Como se não bastasse, a ação de fatores econômicos a interferir na situação da criança e a ausência de uma política de Estado voltada para a formação escolar da criança pobre e desvalida só acentuou seu miserabilismo. Ora, ao longo de todo esse período, a República seguiu empurrando a criança para fora da escola, na direção do trabalho na lavoura, alegando que ela era “o melhor imigrante”. 

No início do século, com a explosão do crescimento urbano em cidades como São Paulo, esses jovens, dejetos do que fora o fim do escravismo, encheram as ruas. Passaram a ser denominados “vagabundos”. Novidade? Mais uma vez não. A história do Brasil, como vamos mostrar, tem fenômenos de longa duração. Os primeiros “vagabundos” conhecidos eram recrutados pelos portos de Portugal, para trabalhar como intermediários entre os jesuítas e as crianças indígenas ou como grumetes nas embarcações que cruzavam o Atlântico. No século XVIII, terminada a euforia da mineração, crianças vindas de lares mantidos por mulheres livres e forras, perambulavam pelas ruas vivendo de expedientes muitas vezes escusos, – os nossos atuais “bicos” – e de esmolas. As primeiras estatísticas criminais elaboradas em 1900 já revelam que esses filhos da rua, então chamados de “pivettes”, eram responsáveis por furtos, “gatunagem”, vadiagem e ferimentos, tendo na malícia e na esperteza as principais armas de sua sobrevivência. Hoje, quando interrogados pelo serviço social do Estado, dizem com suas palavras o que já sabemos desde o início do século: a rua é um meio de vida! 

A entrada maciça de imigrantes, capaz de alavancar a incipiente industrialização do final do século, trouxe consigo a imagem de crianças no trabalho fabril. Mais uma vez esses pequenos imigrantes foram empurrados pela miséria e pela ausência de um Estado que se empenhasse em sua educação, a passar 11 horas em frente às máquinas de tecelagem, tendo apenas vinte minutos de “descanso”. Tornaram-se simplesmente substitutos mais baratos do trabalho escravo. Como se vê, a pobreza e a falta de escolarização da criança brasileira ao longo de sua história, tornam as teses europeias absolutamente inadequadas ante as realidades de uma sociedade que, como explica “uma menina de rua”, “sonhos não enchem a barriga”! A estratificação da sociedade, a velha divisão dos tempos da escravidão entre os que possuem e os que nada têm, só fez agravar a situação dos nossos pequenos. 

Outra característica desse trabalho é que diferentemente da história da criança feita no estrangeiro, a nossa não se distingue daquela dos adultos. Ela é feita, ao contrário, à sua sombra. No Brasil, foi entre pais, mestres, senhores e patrões, que pequenos corpos tanto dobraram-se à violência, às humilhações, à força, quanto foram amparados pela ternura dos sentimentos familiares mais afetuosos. Instituições como as escolas, a Igreja, os asilos e as posteriores Febens e Funabens, a legislação ou o próprio sistema econômico, fizeram com que milhares de crianças se transformassem precocemente em gente grande. Mas não só. Foi a voz dos adultos que registrou, ou calou, sobre a existência dos pequenos, possibilitando ao historiador escutar esse passado utilizando seus registros e entonações: seja por meio das cartas jesuíticas relatando o esforço de catequese e normatização de crianças indígenas ou a correspondência das autoridades coloniais sobre a vida nas ruas, pano de fundo para as crianças mulatas e escravas. Seja através das narrativas dos viajantes estrangeiros, dos textos de sanitaristas e de educadores, dos Códigos de Menores, dos jornais anarquistas, dos censos do IBGE etc. 

O que restou da voz dos pequenos? O desenho das fardas com que lutaram contra o inimigo, carregando pólvora para as canhoneiras brasileiras na Guerra do Paraguai; as fotografias tiradas quando da passagem de um “photographo” pelas extensas fazendas de café; o registro de suas brincadeiras severamente punidas entre as máquinas de tecelagem; as fugas da Febem. Não há, contudo, dúvida de que muitas vezes o “não registrado” mal-estar das crianças ante os adultos obrigou os últimos a repensar suas relações de responsabilidade para com a infância, originando uma nova consciência sobre os pequenos, que se não é hoje generalizada, já mobiliza grande parcela da população brasileira. 

Nossa tarefa neste livro é então, a de resgatar a história da criança brasileira não apenas enfrentando um passado e um presente cheio de tragédias anônimas – como a venda de crianças escravas, a sobrevida nas instituições, as violências sexuais, a exploração de sua mão de obra –, mas tentando também perceber para além do lado escuro. A história da criança simplesmente criança, suas formas de existência cotidiana, as mutações de seus vínculos sociais e afetivos, sua aprendizagem da vida através de uma história que, no mais das vezes, não nos é contada diretamente por ela. 

Resgatar esse passado significa, primeiramente, dar voz aos documentos históricos, perquirindo-os nas suas menores marcas, exumando-os nas suas informações mais concretas ou mais modestas, iluminando as lembranças mais apagadas. É pela voz de médicos, professores, padres, educadores, legisladores que obtemos informações sobre a infância no passado. Essa fala, contudo, obriga o historiador a uma crítica e a uma interpretação da forma como o adulto retrata o estereótipo da criança ideal, aquela saudável, obediente, sem vícios. A criança que é, uma promessa de virtudes. Mas face a essas vozes adultas é preciso considerar algumas questões: será que em uma sociedade historicamente pobre e vincada tanto pela mestiçagem quanto pela mobilidade social, é possível construir tal modelo de criança? Médicos e legisladores do início do século XX acreditavam que sim. Eis porque acabaram criando, a fim de transformá-la, instituições de confinamento, onde, em vez de encontrar mecanismos de integração, a criança “não ideal” achou os estigmas definitivos de sua exclusão. Ela passou de “menor da rua” para “menor de rua” com todas as consequências nefastas que esse rótulo poderia implicar. Se no passado esse sinal de Caim significou sofrimentos de todos os tipos e todo tipo de perseguição policial, elas hoje reagem pela afirmação cada vez maior a sua exclusão. Outro problema para o estudioso da história da criança brasileira: para cruzar tais representações teríamos apenas restos do que foi a infância no passado? Será que o clima dos trópicos deixou sobreviver os restos materiais destas pequenas vidas, tais como berços, brinquedos, roupas, ou essas ausências apenas confirmam o quão fugaz é a passagem entre o tempo da infância e o do mundo adulto? Diferentemente de europeus ou americanos, cujas culturas produziram desde as épocas mais remotas as imagens, os objetos e as representações que nos contam sobre a infância, no Brasil temos que estar alertas a outro tipo de fonte para responder a essas questões. Todavia, são sensíveis memorialistas como Pedro Nava que são capazes de fazer reviver em seus textos, as cores, os sons e os cheiros do passado. São eles que sugerem ao historiador um programa de pesquisa capaz de orientá-lo na busca do que tenha sido, para muitas crianças anônimas, ser simplesmente criança num país marcado por diferenças regionais e diferenças de condição social, mas vincado, igualmente, por uma identidade dada pela pobreza material que atingia ricos e pobres, escravos e livres. Ouçamos o que ele nos diz:

O fumo e a bosta de cavalo postos na ferida umbilical foram os mesmos para todos; os que escaparam e os que morreram do mal de sete dias. A boneca de pano velho e marmelada foi chupada por todos os meninos de Minas. Conhecidos ou não [...] íntimos ou sem costume, uns com os outros – somos queijo do mesmo leite, milho da mesma espiga, fubá da mesma saca. Todos usamos o mesmo cagatório pênsil sobre o chiqueiro onde os porcos roncam [...] Os mesmos oratórios de três faces com o calvário em cima e o presépio em baixo. Os mesmos registros de santos enchendo as paredes para impedir os mesmos demônios e os mesmos avantesmas das noites de Minas. [...] Eram amigos como irmãos. 

Assim, os cuidados com o corpo, a alimentação, o brinquedo, as formas de religiosidade e os laços familiares constituem-se em grandes linhas de pesquisa que atravessariam, de um lado a outro, a sociedade brasileira – guardadas certamente as proporções e as especificidades dos diferentes grupos sociais e regionais. Por meio de temas presentes na memória e na recordação e, associados à coleta de documentos capazes de nos aproximar da vida da criança no passado, podemos tentar reconstituir o seu cotidiano. Da técnica de pré-digestão de alimentos, embebidos na saliva dos adultos, à tradição da culinária africana do pirão de leite com farinha seca e açúcar bruto; das brincadeiras no quintal e na vizinhança, a chupar fruta no pé; do simbolismo dos ritos de batismo, primeiro entre escravos e livres, aos atuais “ungimentos” ou batismos em casa; também de outros simbolismos, aqueles em torno dos enterros: os nas biqueiras da casa, para criança pagã ou o cortejo dos anjos carregando pequenos caixões ataviados de papel prateado, até as fotografias dos mortos nos colos de suas mães; dos banhos de rio em Recife, aos banhos de mar no Rio de Janeiro; de um mundo entrelaçado ao dos adultos e aos familiares, onde desfilavam os rostos dos avós, de tios e primos, de vizinhos em que o levar e trazer recados, bem como a conversa, eram, nas recordações de um memorialista, “imprescindíveis como a água, a farinha e o amor”. 

Para fazer a história das crianças, ouvimos vários historiadores, sociólogos e outros especialistas sensíveis ao crescimento da consciência que vem aflorando sobre sua situação. Especialistas atentos, sobretudo ao legado do passado na situação atual. É fascinante perceber como trabalhos produzidos em áreas distintas, que partem de uma documentação específica, iluminam-se mutuamente. As crianças negras do agrofluminense, da época fluminense, transmutaram-se nos “pivettes” da Belle Époque e, hoje, nos meninos de rua. Os grumetes que cruzaram o Atlântico nas primeiras navegações tornaram-se os jovens marinheiros da Guerra do Paraguai. Instituições de confinamento como os institutos agrícolas teriam seu embrião nas escolas jesuíticas. Ritos de recepção como o batismo, ou de perda como a morte, teriam atravessado incólumes, com a sua força simbólica, quase quinhentos anos de história. 

Este livro é assim, o resultado de um cruzamento de olhares sobre o tema abrangente da infância na história. Do Norte ao Sudeste do país, pesquisadores e professores emprestaram seus conhecimentos para dar voz a algumas das milhares de crianças brasileiras anônimas. Suas estórias e histórias foram tratadas em várias chaves teóricas e metodológicas. Seus percursos foram reconstituídos por cientistas que acreditam que é preciso extraí-las do anonimato e do silêncio em que se encontram, pois são elas sujeitos históricos também. Das ribeiras do Amazonas às serras pedregosas de Minas Gerais, graças a uma diversidade infinita de documentos e registros, seus pequenos gestos de alegria e dor, ansiedades e preocupações, brincadeiras e temores, foram cartografados. Não são poucos os historiadores, sociólogos e antropólogos que colocam sua sensibilidade e talento à serviço desses que são dos mais frágeis seres humanos. Nessa perspectiva, o Brasil encontra-se com seus parceiros internacionais na busca de respostas e de projetos que possam garantir à população infantil um lugar definitivo ao sol. Coube à Editora Contexto aceitar esse desafio, desafio esse que tomou a peito com a coragem e a qualidade que caracteriza suas publicações.

Por fim, parece-nos evidente que querer conhecer mais sobre a trajetória histórica dos comportamentos, das formas de ser e de pensar das nossas crianças, é também uma forma de amá-las todas, indistintamente melhor.

 Mary Del Priore




A HISTÓRIA TRÁGICO-MARÍTIMA DAS CRIANÇAS NAS EMBARCAÇÕES PORTUGUESAS DO SÉCULO XVI 

                                                                  Fábio Pestana Ramos



É de conhecimento geral que, apesar de o Brasil ter sido “descoberto” oficialmente em 1500, suas terras só começaram a ser povoadas a partir de 1530. No entanto, poucos sabem que, além dos muitos homens e das escassas mulheres que se aventuraram rumo à Terra de Santa Cruz nas embarcações lusitanas do século XVI, crianças também estiveram presentes à epopeia marítima. As crianças subiam a bordo somente na condição de grumetes ou pajens, como órfãs do Rei enviadas ao Brasil para se casarem com os súditos da Coroa, ou como passageiros embarcados em companhia dos pais ou de algum parente.

 Em qualquer condição, eram os “miúdos” quem mais sofriam com o difícil dia a dia em alto mar. A presença de mulheres era rara, e muitas vezes, proibida a bordo, e o próprio ambiente nas naus acabava por propiciar atos de sodomia que eram tolerados até pela Inquisição. Grumetes e pajens eram obrigados a aceitar abusos sexuais de marujos rudes e violentos. Crianças, mesmo acompanhadas dos pais, eram violadas por pedófilos e as órfãs tinham que ser guardadas e vigiadas cuidadosamente a fim de manterem-se virgens, pelo menos, até que chegassem à Colônia. 

Quando piratas atacavam as embarcações, quer da chamada Carreira do Brasil ou da Carreira da Índia, esta última, vale lembrar, constantemente de passagem pela costa brasileira11, os adultos pobres eram com frequência assassinados. Os poderosos, por sua vez, eram aprisionados e trocados por um rico resgate, e as crianças, escravizadas e forçadas a servirem nos navios dos corsários franceses, holandeses e ingleses, sendo prostituídas e exauridas até a morte. 

Na iminência de um naufrágio, coisa comum e corriqueira entre os séculos XVI e XVIII, em meio à confusão e desespero do momento, pais esqueciam seus filhos no navio, enquanto tentavam salvar suas próprias vidas. As crianças que tinham a sorte de escapar da fúria do mar, tornando-se náufragas, terminavam entregues à sua própria sorte, mesmo quando seus pais se salvavam. Nesta ocasião, devido à fragilidade de sua constituição física, as crianças eram as primeiras vítimas, tanto em terra, como no mar. 

É esta a história trágico-marítima das crianças; uma história periférica e dificilmente relatada pelos adultos. Uma história contada sempre nas entrelinhas das narrativas de época, que tinham por função fazer com que a coroa portuguesa tomasse conhecimento das causas dos naufrágios a fim de evitá-los. Mas de evitálos, não para que outros inocentes viessem a se ver livres de uma morte sofrida, mas, sim, para que os cofres do Reino não tivessem seu prejuízo aumentado. Uma história de dor e de conflito entre o mundo adulto e o universo infantil que estamos prestes a penetrar.

GRUMETES

Apesar de muitos considerarem os ibéricos afetuosos para com seus pequenos, característica dita típica dos povos latinos, o quadro das sensibilidades no início da epopeia marítima era bem diferente. Na verdade, entre portugueses ou outros povos da Europa, a alta taxa de mortalidade infantil verificada no decorrer de toda a Idade Média e mesmo em períodos posteriores, interferia na relação dos adultos com as crianças. A expectativa de vida das crianças portuguesas, entre os séculos XIV e XVIII, rondava os 14 anos22, enquanto “cerca da metade dos nascidos vivos morria antes de completar sete anos”33, Isto fazia com que, principalmente entre os estamentos mais baixos, as crianças fossem consideradas como pouco mais que animais, cuja força de trabalho deveria ser aproveitada ao máximo enquanto durassem suas curtas vidas. 

Um conto infantil português do século XVI, recolhido da tradição oral, classifica os dois filhos recém-nascidos de um rei como “um macho e outro fêmea”44. Essa forma de referir-se às crianças aproxima-se da categorização que os homens de Quinhentos davam aos negros escravizados, vistos então como meros “instrumentos vocais”, ou seja, em instrumento de trabalho capaz de falar. É, provavelmente, esse sentimento de desvalorização da vida infantil que incentivava a Coroa a recrutar mão de obra entre as famílias pobres das áreas urbanas. Por serem as crianças camponesas necessárias na faina agrícola, elas eram poupadas. Na verdade, a falta de mão de obra de adultos, ocupados em servir nos navios e nas possessões ultramarinas, fazia com que os recrutados se achassem entre órfãos desabrigados e famílias de pedintes. Nesse meio, selecionavam-se meninos entre nove e 16 anos, e não raras vezes, com menor idade, para servir como grumetes nas embarcações lusitanas. 

Para os pais destas crianças – consideradas um meio eficaz de aumentar a renda da família –, alistar seus filhos entre a tripulação dos navios parecia sempre um bom negócio. Eles, assim, tanto podiam receber os soldos de seus miúdos, mesmo que estes viessem a perecer no além-mar, quanto livravam-se de uma boca para alimentar. Tampouco a alta taxa de mortalidade a bordo dos navios – algo em torno de 39% dos embarcados5 – os assustava. Isso porque além de as crianças serem consideradas como pouco mais que animais, a alta taxa de mortalidade em Portugal fazia com que a chance de morrer vítima de inanição ou de alguma doença em terra fosse quase igual, quando não maior do que a de perecer a bordo das embarcações.


Em Portugal, como em toda a Europa moderna, a alta mortalidade infantil, representada pela ampulheta no canto direito da gravura, alimentava uma mentalidade de desapego à criança.

AS CRIANÇAS JUDIAS 

Outro método de recrutamento de grumetes para servirem a bordo das embarcações portuguesas era o rapto de crianças judias arrancadas à força de seus
pais. Tudo leva a crer que estes raptos foram muito frequentes, pois foi este o procedimento adotado pela Coroa portuguesa, em 1486, durante o povoamento das Ilhas de São Tomé e Príncipe, chamadas então de Ilhas de Ano Bom e de Fernão do Pó. O método cruel significava, simultaneamente, um meio de obter mão de obra e de manter sob controle o crescimento da população judaica em Portugal. Estas, ao contrário das recrutadas entre as crianças carentes portuguesas, eram jogadas nos navios à revelia de seus pais e representavam para estes uma grande perda afetiva. As implicações econômicas eram descartadas, pois a maioria esmagadora dos judeus era possuidora de recursos para sobreviver, prescindindo do expediente de vender a mão de obra de seus filhos. 

Uma lista dos soldos pagos aos tripulantes de uma nau portuguesa, reproduzida em Construções de naus em Lisboa e Goa para a Carreira da Índia no começo do século XVII, permite observar que, numa tripulação composta por 106 homens, vinte "6 eram grumetes. A população composta então pelos grumetes girava em torno de 18% do total de tripulantes. Assim, numa nau composta por 150 tripulantes – média de homens empregados nas naus portuguesas do século XVI – pelo menos 27 crianças estariam servindo como grumetes, número que comprova a importância da presença infantil na aventura transoceânica.

Ainda a respeito da presença desses pequenos marujos, cabe notar que a partir do século XVII e, principalmente, de meados do século XVIII, o número de grumetes nos navios lusitanos chegou a ser o mesmo que o número de marinheiros e, algumas vezes, até superior devido à falta de profissionais adultos. Estes últimos eram escassos, pois as “elevadas taxas de mortalidade” no Reino e nas possessões ultramarinas – ocasionadas pelas “deficientes condições sanitárias e econômicas”, quando não “eram as epidemias e as fomes que matavam mais gente”7 – haviam causado uma drástica redução da população adulta. Além disto, os poucos adultos disponíveis em Portugal migravam para as colônias ou, simplesmente, faziam de tudo para escapar do serviço no mar. Enquanto os ingleses procuraram suprir a falta de mão de obra adulta livre em seus navios por meio da utilização de escravos e negros alforriados, os portugueses optaram pela utilização de crianças "8.  

Entre os séculos XVI e XVIII, apesar de os grumetes não passarem, quando muito, de adolescentes, realizavam a bordo todas as tarefas que normalmente seriam desempenhadas por um homem. Recebiam de soldo, contudo, menos da metade do que um marujo, pertencendo à posição mais baixa dentro da hierarquia da marinha portuguesa. Sofriam, ainda, inúmeros “maus tratos”9, e apesar de pelas regras da Coroa portuguesa estarem subordinados ao chamado guardião (cargo imediatamente abaixo do contramestre, ocupado em geral por um ex-marinheiro), tinham que prestar contas aos marinheiros e até mesmo aos pajens – outro tipo de função exercida por crianças, que costumavam explorar seus pares mais pobres, a fim de aliviar sua própria carga de trabalho.

Encarregar os pequenos grumetes dos “trabalhos” mais “pesados”10 e perigosos era um hábito corriqueiro, e exemplos não faltam nos documentos de época. A compilação de relatos de naufrágios, realizada por Bernardo Gomes de Brito no século XVIII, reunidos no seu História trágico-marítima, dá conta que em 1560, na nau São Paulo, que haveria de naufragar no ano seguinte, um grumete foi colocado de serviço na gávea. Essa era um tabuleiro ou plataforma situada a certa altura de um dos mastros onde um homem ficava de vigia. Pois mesmo antes da embarcação fazer escala no Brasil,

aos dezanove de julho, que foi um sábado sobre a noite, (...) fazendo com o vento muito, por serem de través, estando o gajeiro da gávea em pé em cima para descer, bem descuidado, deu a nau um balanço grande, com que meteu, e lançou o pobre grumete por cima da gávea, que veio pelo ar cair ao mar, dando com as pernas e partes do corpo em os pés de um homem que a bordo estava pegado, o qual consigo houvera de levar ao mar, deixando-o aleijado da grande pancada que lhe deu de um deles, e desfazendo a cabeça em pedaços, com os miolos fora dela, nas vergas, que todas ficaram tinta do seu sangue".11 

Apesar de todos a bordo, inclusive os oficiais, terem plena consciência, de que “os acontecimentos e perigos do mar” eram sempre “súbitos e estranhos”, e de “que a todas as horas e momentos” estavam a eles “sujeitos”12, não havia hesitação em colocar as crianças para atuar nos trabalhos mais arriscados. Quando um dos habituais acidentes ocorreu, apesar do “muito temor e espanto” causado entre os tripulantes, tudo que os outros grumetes ouviram é que o morto era um “mancebo valente”13. Procurava-se justificar, assim, sua indicação para executar um trabalho arriscado. No caso citado, lembrou-se, ainda, que apesar de criança, a pequena vítima possuía um corpo “grosso” e temperamento “bem disposto”14. Os oficiais argumentaram mesmo que o grumete acidentado nem era tão criança assim, pois estava até “desposado de novo”15 no Reino. Mero pretexto para justificar-se e escapar da revolta dos colegas de bordo

De todos os embarcados, os grumetes eram os que tinham as piores condições de vida. Além de enfrentar como todos os outros, incluindo passageiros, um espaço disponível de pouco mais de cinquenta centímetros quadrados"16 nas embarcações que serviam na Carreira da Índia, e um espaço, talvez um pouco maior, na Carreira do Brasil, em penosas viagens que duravam até um ano – na primeira – ou na melhor das hipóteses de quatro semanas a três meses para o Brasil, eles enfrentavam as longas travessias marítimas nas piores acomodações. 

Enquanto cada marujo tinha, ao menos, direito a um catre – uma cama de viagem – e um baú para guardar seus pertences, os grumetes em geral eram alojados no convés próximo aos “amantilhos (cabo que sustenta as vergas) e às curvas d’ante a ré dos amantilhos”17. Este local, costumeiramente destinado ao alojamento dos víveres reservados aos doentes, era, por isso, trancado e vigiado. Os grumetes não tinham qualquer direito à privacidade para si ou seus troços. Uma das razões para essa falta de espaço era a ganância dos oficiais que possuíam direito a uma porcentagem no lucro gerado pelas mercadorias por eles transportadas, superlotando com carga os navios e deixando de carregar os víveres necessários para a viagem. Em vista disso, os grumetes eram alojados a céu aberto no convés, ficando expostos ao sol e à chuva e vindo a falecer, aliás, como outros tripulantes mais debilitados, vítimas de pneumonia e queimaduras do sol.


Eram muitos os riscos de naufrágio, dentre eles as batalhas em alto mar.Nesta, o navio foi fatalmente atingido por uma bala de canhão e seus tripulantes não tiveram outra alternativa senão se atirarem ao mar.



FOME E DOENÇA A BORDO 

Condicionados ao mesmo tratamento dos tripulantes adultos, os grumetes tinham direito a uma ração de “uma libra e meia de biscoito por dia (...) e um pote de água, uma arroba de carne salgada por mês e alguns peixes secos, cebolas e manteiga”, pois o alimento nas embarcações portuguesas era “distribuído igualmente a todos”18. Não recebiam, todavia, a ração diária de “um pote de vinho” que cabia aos marinheiros. Em muitos casos, como nas viagens de volta da Carreira da Índia, devido à falta de espaço causada pelo armazenamento de mercadorias, recebiam “senão biscoito e água”19. Como se não bastasse o fato da ração ser extremamente restrita, a sua qualidade era sempre péssima; o “biscoito era bolorento e fétido, todo roído pelas baratas”20. A carne salgada encontrava-se, constantemente, em estado de decomposição. A água potável, igualmente podre, exalava um incrível mau cheiro por ser armazenada em tonéis de madeira, onde, em poucos dias, proliferavam inúmeros micro-organismos, responsáveis por constantes diarreias. Ainda assim, sua distribuição estava restrita a apenas “três rações diárias”21. 

Embora a situação fosse um pouco mais amena na Carreira do Brasil, os miúdos eram sistematicamente acometidos de inanição e escorbuto. Esse último chamado, também, de mal de Luanda, era provocado pela falta de vitamina C, resultando no apodrecimento das gengivas. Como os médicos eram raros a bordo, as crianças eram entregues aos cuidados de barbeiros que serviam como cirurgiões nas embarcações; estes costumavam aplicar-lhes as temidas sangrias, método de cura para todo e qualquer mal, que, na maior parte das vezes, terminava por exauri-los ou matá-los. 

Visando enriquecer a dieta de bordo, os tripulantes tinham permissão para tentar pescar, mas estando sempre sobrecarregados pelos trabalhos diários e vigiados de perto pelo guardião, não sobrava tempo para que os grumetes tentassem desta forma melhorar suas refeições. Recorrer, então, aos “muitos ratos”22 e “baratas”23 era a única saída que lhes restava. Por vezes ainda, os grumetes tinham a sorte de algum cadáver exposto no convés servir-lhes de isca para captura de pássaros dos quais pudessem se alimentar. Em 1560, na nau São Paulo, os grumetes aproveitaram o fato de, um dia antes, haver morrido “um homem e uma menina filha de um casado que na nau ia”, juntamente com “mais de dez pessoas nesta viagem do Brasil”, que expostos ao convés atraíram muitos “pássaros”, entre “rabos-de-junco, muitos rabiforcados, e alguns garajaus, e infinitos alcatrazes”, com que passaram “o tempo com muita festa”, de modo que “os grumetes tinham no tomar deles, e de que se aproveitaram mui bem, e com que faziam contínuo banquete”24.

Entregues a um cotidiano difícil e cheio de privações, os grumetes viam-se obrigados a abandonar rapidamente o universo infantil para enfrentar a realidade de uma vida adulta. Muitos grumetes eram sodomizados por marujos inescrupulosos – categoria classificada nos documentos, como formada por “criminosos da pior espécie”, tais como “assassinos, incendiários, (e) sediciosos”, cuja pena por “decapitação ou enforcamento” havia sido comutada “pelo serviço marítimo”25 – de evidente superioridade física sobre os meninos. Relatos de viajantes estrangeiros que passaram por Portugal no século XVIII, dão conta de que a pedofilia homoerótica era muito comum26, permitindo supor que nas embarcações, ambiente onde, até mesmo os religiosos costumavam tolerar atos considerados dignos de condenação à fogueira, tal prática era extremamente corriqueira.

Quando os grumetes eram estuprados por marinheiros, quer por medo ou vergonha, dificilmente queixavam-se aos oficiais, até porque muitas vezes eram os próprios oficiais que haviam praticado a violência. Assim, relatos deste tipo são praticamente inexistentes. No entanto, por ser a prática corrente na Idade Média27, tudo leva a crer que a violência sexual era comum nos navios. E alguns grumetes podiam mesmo prostituir-se como forma de obter proteção de um adulto. 

Embora a maioria dos grumetes enfrentasse vários problemas a bordo das embarcações, quando embarcavam pela primeira vez, todos tinham em mente que esta poderia ser uma oportunidade de ascensão social. É verdade que somente alguns tinham a chance de sobreviver a tantos obstáculos e humilhações para fazer carreira na Marinha. Mas como no século XVI e mesmo XVII, a prática era a principal escola, servir como grumete era uma oportunidade para iniciar-se nos segredos do mar. Não devem ter sido raros os casos de grumetes que ascenderam, não somente a marinheiros e guardiães, como a contramestres, mestres, sota-pilotos e pilotos, cargos estes que exigiam uma formação empírica, embora a exigência da leitura de manuais destinados à formação dos pilotos possa ter barrado muitos a este cargo. Quase impossível era um simples grumete chegar ao cargo de capitão, pois este estava reservado a elementos da nobreza ou homens que haviam se destacado como pilotos. Não obstante, o caso de Antônio da Costa de Lemos, que de marujo chegou a capitão e cabo de navios28 (uma espécie de capitão de Armada), demonstra que podem ter existido exceções à regra e que alguns poucos tenham, talvez, realizado a proeza.

O certo é que a vida no mar proporcionava a estes garotos um aprendizado até mesmo involuntário. Existem casos de embarcações que, na falta de oficiais sadios, foram pilotadas por grumetes conhecedores da arte náutica, e que sem o auxílio destes, o naufrágio seria inevitável. Os grumetes substituíam os tripulantes adoecidos nas mais variadas funções. Na nau São Paulo, por exemplo, em dada altura da viagem, estando esta próxima ao Brasil, “aconteceu dar o mestre ao apito, e acudirem só um marinheiro, e dous grumetes, sem haver aí mais nenhum são, de mais de cem homens do mar, que nesta nau iam a marear”29. Nesta mesma ocasião, na falta de um cirurgião e do barbeiro, um “grumete” atuou como médico, realizando as habituais sangrias “que o fazia mui bem”30.

É importante ressaltar que os grumetes desta dita nau teriam, segundo indícios presentes no relato, menos de 12 anos, pois em dada altura dos acontecimentos, diante de inúmeras dificuldades surgidas a bordo, os padres organizaram procissões em que iam “descalços, e com os meninos” embarcados, “que seriam trinta de 12 anos para baixo”31. O que leva a supor que, se não todos, ao menos boa parte destas trinta crianças serviam como grumetes, sendo provavelmente um destes o garoto que serviu como médico no episódio antes descrito. Confrontados precocemente com grandes responsabilidades, os grumetes querendo ou não, terminavam aprendendo na prática uma profissão, e se sobrevivessem às inúmeras dificuldades enfrentadas a bordo, podiam fazer carreira na Marinha.


PAJENS


Diferente dos grumetes, embora na mesma faixa etária ou talvez um pouco mais jovens, as crianças embarcadas como pajens da nobreza tinham um cotidiano um pouco menos árduo, e muito mais chances de alcançar os melhores cargos da Marinha, sobretudo servindo a algum oficial da embarcação. Não temos como saber quantos eram os pajens presentes nas embarcações portuguesas, até mesmo porque seu número era muito variável. Alguns nobres, por exemplo, preferiam ter escravos adultos como pajens. No entanto, a lista de soldos pagos aos tripulantes, reproduzida em Construções de naus em Lisboa e Goa para a Carreira da Índia no começo do século XVII, afirma que em meio a uma tripulação de 106 indivíduos, quatro eram pajens32 integrados à tripulação e contratados diretamente pela Coroa portuguesa. Se fôssemos ampliar o exemplo para o restante das embarcações, poderíamos supor que o número de pajens integrados às tripulações dos navios portugueses do século XVI e princípio do XVII, ficasse em torno dos 3,8%. Assim, em meio a uma tripulação de 150 homens, cinco ou seis deveriam ser crianças servindo como pajens.


A pobreza nas cidades portuguesas era a principal causa do alistamento voluntário das crianças na marinha, pelos próprios pais.


O número de pajens somado ao de grumetes deveria rondar os 22% dos tripulantes, isso equivaleria a dizer que entre uma tripulação de 150 homens, somente 32 ou 33 seriam crianças abaixo dos 16 anos de idade. Tal estatística estaria de acordo com o relato da procissão realizada na já citada nau São Paulo "33, que teve a participação de trinta crianças de menos de 12 anos. Confirma nossa hipótese o fato de os oficiais só terem poder de comando sobre grumetes e pajens da embarcação, o que explica que só esses podiam figurar “martirizados e descalços”, pois eles não exerciam autoridade alguma sobre as crianças embarcadas como passageiros ou sobre os pajens não pertencentes à tripulação. 

Aos pajens eram confiadas tarefas bem mais leves e menos arriscadas do que as impostas aos grumetes, tais como servir à mesa dos oficiais, arrumar-lhes as câmaras (camarotes) e catres (camas) e providenciar tudo que estivesse relacionado ao conforto dos oficiais da nau. Além disto, os pajens acabavam exercendo junto aos grumetes a função de verdadeiros “mandaretes”34 ou pequenos tiranos. Não seria de estranhar que, graças à proximidade com os oficiais, acabassem exercendo algum tipo de autoridade até mesmo sobre os marinheiros. Os pajens eram raramente castigados com severidade. Os grumetes, ao contrário, tal como os marinheiros, recebiam chicotadas e eram postos a ferros (acorrentados ao porão) caso desobedecessem às ordens dos oficiais, sendo ainda por vezes ameaçados de morte. 

A descrição do soldo pago aos pajens permite perceber que na hierarquia da vida marítima, estes eram considerados superiores aos grumetes. Seu soldo era um pouco maior do que o dos meninos, mas, menor do que o dos marinheiros. A proximidade, contudo, junto aos oficiais garantia-lhes não só proteção física, como eventuais gratificações. No entanto, tais vantagens não impediam que os pequenos pajens corressem os mesmos riscos de estupro e sevícias, mudando apenas a condição do algoz: em vez de marujos, oficiais. 

Apesar de estarem sujeitos à mesma proporção de alimentos distribuídos aos grumetes, a proximidade com oficiais e passageiros garantia aos pajens acesso ao mercado negro de víveres que funcionava a bordo. Possuíam, assim, uma alimentação mais rica e menor chance de perecer ao longo da viagem, pois tanto oficiais quanto elementos da nobreza eram os únicos que tinham permissão para trazer a bordo laranjas, galinhas e outros alimentos, sob pretexto de se servirem em caso de doença. Junto a tais mantimentos eram, igualmente, embarcadas “compotas de açúcar, de mel, de passas, de ameixas secas, de farinha e outros doces para as necessidades dos doentes”35 que, controlados pelo capitão e por uns poucos oficiais, terminavam sendo desviados e integrados ao cardápio que abastecia os famintos, vítimas das longas viagens.



Família do final do século XVIII. Como se pode notar pela ilustração, por esta épocao conceito de família era bem diferente do século XVI.

Vale lembrar que, tal como os desafortunados grumetes, muitos dos pajens eram recrutados, eles também, entre famílias portuguesas pobres. A maioria, contudo, provinha de setores médios urbanos, de famílias protegidas pela nobreza ou de famílias da baixa nobreza; pois, para essas, inserir seu filho no contexto da expansão ultramarina como pajem era a forma mais eficaz de ascensão social. Cabe dizer que, num Estado onde os judeus haviam sido obrigados a converterem-se ao cristianismo, pertencer a famílias judias era um impedimento ao ingresso como pajem na Marinha.

Em algumas circunstâncias os oficiais faziam embarcar seus próprios parentes como pajens, sublinhando o prestígio da categoria e a possibilidade de ascensão aos mais altos cargos. As crianças embarcadas por seus próximos tinham a função básica de aprendiz. Exemplo emblemático dessa situação é o caso do mestre da nau Conceição, naufragada em 1555, que embarcara, em sua companhia, “um sobrinho, e dous cunhados seus”36. Ao longo da viagem, os familiares funcionaram como aprendizes de seu ofício, no lugar do sota-piloto a quem por direito caberia a função. O mestre os protegeu até o fim, levando-os consigo quando ele e outros oficiais abandonaram o restante dos sobreviventes em terra, fugindo no batel com todos os mantimentos salvos do naufrágio.

Alguns oficiais de patente mais alta, tais como capitães e pilotos, também faziam por vezes embarcar seus filhos. Se não como pajens, simplesmente como acompanhantes a quem procuravam ensinar um ofício. Essas crianças, embora não recebessem soldo algum, viviam uma situação intermediária entre a dos passageiros e a dos grumetes, gozando da situação vantajosa emprestada por seus pais e parentes. Tinham vários privilégios, plena liberdade de movimentos e nenhum dever ou obrigação. Em 1559, na nau Garça, o piloto esteve acompanhado por seu filho, que pouco antes do naufrágio desta embarcação demonstrou grande conhecimento técnico: “pescando, do chapitéu da popa, deu um grande grito repetindo duas vezes: Pai, braça e meia, braça e meia”37, visando alertá-lo sobre os baixos bem à frente onde a nau poderia encalhar, tendo sido impossível ao piloto desviar a tempo, levando “a nau uma pancada, com que tremeu tudo”38.

Enquanto os meninos pobres menores de 16 anos eram embarcados como grumetes e pajens nas naus portuguesas do século XVI, e alguns dos filhos dos oficiais, mesmo não sendo pajens, embarcavam simplesmente como acompanhantes de seus pais a fim de aprender seu ofício, as meninas órfãs de pai e pobres eram arrancadas à força de sua família e embarcadas sob a categoria de “órfãs do Rei”.

AS ÓRFÃS “DEL REI”

Dada a falta de mulheres brancas nas possessões portuguesas, a Coroa procurou reunir meninas pobres de “14 a 30 anos” nos “orfanatos de Lisboa e Porto”39, a fim de enviá-las sobretudo à Índia – no Brasil a prática de amancebar-se com as nativas suavizava o problema da constituição de famílias –, prática comum principalmente a partir da segunda metade do século XVI. Eram estranhamente consideradas como órfãs até mesmo as meninas que tinham apenas o pai falecido. Assim, podemos supor que existiu uma espécie de sequestro de meninas pobres, principalmente menores de 16 anos, em Portugal. 

Apesar deste estudo estar ainda por ser feito, tudo indica que assim como várias órfãs foram enviadas à Índia, algumas teriam sido mandadas ao Brasil. Dentre essas, seriam preferidas as de idade inferior aos 17 anos, pois muitas das mulheres classificadas como órfãs do Rei, com idades superiores aos 18 anos, não passavam de prostitutas colocadas no orfanato pelos magistrados portugueses, a fim de livrar a sociedade das “pecadoras”. Por sua condição, meninas cigana "40 menores de 17 anos eram também colocadas nos orfanatos, pois eram consideradas como infiéis que, diferente dos judeus, não se dispunham a converter-se. De modo que colocar à força meninas ciganas nos orfanatos era uma maneira de exterminar sua irredutibilidade em abraçar a fé cristã.

O maior contingente anual de órfãs do Rei enviado às possessões ultramarinas portuguesas teria sido no ano de 1560"41, de “cinquenta e quatro” mulheres, sendo sua maior parte constituída provavelmente por meninas. As cifras nos levam a conjeturar que o número de meninas entre 14 e 17 anos enviadas à Terra de Santa Cruz, não deve ter excedido a duas ou três por ano, visando, somente, às necessidades dos homens solteiros da baixa nobreza portuguesa aí estabelecidos, uma vez que a falta de mulheres brancas era sentida com mais intensidade no Oriente, pois enquanto emigravam para Índia homens desacompanhados, para o Brasil a emigração era principalmente família"42.

Não obstante o baixo número de meninas embarcadas nos navios portugueses, principalmente na Carreira do Brasil"43, a simples presença das órfãs do Rei a bordo, que ao contrário das passageiras, não tinham quem zelasse por elas, causava grande alvoroço entre a tripulação masculina. Tanto marujos, quanto oficiais deveriam passar horas à caça das donzelas a bordo, o que fazia com que os religiosos não enxergassem com bons olhos o seu embarque, sobretudo quando menores de 18 anos, momento em que sua própria fragilidade física não permitia que se defendessem de eventuais ataques. 

Como o estupro de meninas pobres, maiores de 14 anos, dificilmente era punido – o que estava bem de acordo com a tradição medieval que só punia o estupro se “as vítimas tivessem de 12 a 14 anos”44 – as meninas embarcadas como órfãs poderiam ser violadas por grupos de marinheiros mal-intencionados que ficavam dias à espreita em busca dessa oportunidade. Por medo de serem depreciadas no mercado matrimonial para o qual estavam direcionadas, ou por vergonha, terminavam ocultando o fato, de modo que os relatos a respeito são praticamente inexistentes. 

Tendo em vista evitar os estupros das órfãs a bordo – sobretudo porque estas estavam destinadas ao matrimônio, virgens, com homens de destaque nas possessões portuguesas – alguns religiosos tomavam sua guarda, principalmente quando tratavase de meninas menores de 16 anos. A tarefa devia ser difícil se levarmos em conta que em meio a novecentos embarcados, entre tripulação, soldados e passageiros, as mulheres a bordo não passariam de dez, e que mesmo os meninos não escapavam dos pedófilos de plantão. As meninas embarcadas entre as órfãs do Rei acabavam ainda por passar pelas mesmas privações alimentares dos tripulantes, e muitas, entregues ao ambiente insalubre das naus, terminavam falecendo ao longo da viagem sem nunca chegar a conhecer seu futuro marido.

AS CRIANÇAS EMBARCADAS COMO PASSAGEIROS

crianças embarcadas nas naus do século XVI era justamente a dos miúdos que acompanhavam seus pais ou parentes na condição de passageiros. Tudo leva a crer que seu número era menor que o das crianças membros da tripulação, porém bem maior do que o das meninas órfãs do Rei. Seriam, talvez, entre dez a quinze por embarcação – onde a população variava de quinhentos a novecentos embarcados, e às vezes até mais – não devendo passar de cerca de 2% dos viajantes. 

Diferente das outras crianças a bordo, esses pequenos passageiros podiam ter menos de cinco anos ou ser ainda de colo. Em 1589, por exemplo, esteve embarcada na nau São Tomé, que haveria de naufragar, uma menina de menos de dois anos"45 acompanhada de sua mãe e de uma ama negra. Era a filha de uma senhora da nobreza chamada D. Joana de Mendonça"46. Do mesmo modo, em 1559, “Pêro Mendes Moreira, que era feitor e alcaide-mor de Moçambique”, trazia consigo de volta a Lisboa, na nau Garça, “dous filhinhos (...) um de três, e outro de quatro anos”47.


Alojados a céu aberto, alimentando-se de ratos, estuprados por marinheiros adultos, castigados com chibatadas, grumetes entre oito e 14 anos enfrentavam um difícil cotidiano.

Em meio a novecentas pessoas, as crianças que serviam como grumetes ou pajens, somadas às órfãs do Rei e às crianças embarcadas como passageiros, os miúdos não deveriam passar de cinquenta menores de 16 anos. Assim, a porcentagem das crianças a bordo das embarcações portuguesas do século XVI e princípio do XVII, quer da Carreira da Índia ou do Brasil, devia ficar em torno de cerca de 5%, número ínfimo se comparado aos adultos, o que explica a sua quase inexistência na iconografia das navegações, conforme comprovado por meio da Americae Praeterita Eventa"48, coletânea das ilustrações feitas no século XVI e XVII pela família De Bry.

As crianças embarcadas em companhia de seus pais, irmãos ou tios, apesar de terem pago sua passagem, estavam condicionadas ao mesmo regime alimentar de um simples grumete. Só aquelas pertencentes às elites podiam ter acesso a uma complementação alimentar proporcionada pelo mercado negro ativo nas naus. Ficavam igualmente sujeitas, em qualquer idade, mas sobretudo quando pertencentes às classes subalternas, a estupros coletivos praticados pelos marinheiros ou soldados.

Como as doenças eram comuns, tanto entre os tripulantes como entre os passageiros, situação agravada pela inanição generalizada a bordo, podem ter sido as crianças sempre as primeiras a ser atingidas pelo escorbuto e pelas doenças incubadas na Europa e disseminadas em alto mar. Doenças hoje típicas da infância, como o sarampo e a caxumba, eram frequentes a bordo das naus do século XVI ao XVIII. Estas eram responsáveis por grande mortalidade, tanto de adultos como de crianças, deixando alguns navios sem ter quem os conduzissem, como o que ocorreu com a nau capitaneada por Gonçalo de Sousa, em 1508, que “por não ter gente” para conduzi-la, obrigou seus sobreviventes a abandonarem a embarcação, passando “a outra nau, pondo fogo à sua”49.

As crianças eram as primeiras vítimas de tantas mazelas. Enfraquecidas pela inanição e a insalubridade, eram atingidas por doenças que hoje parecem simples e de fácil cura, acabando por sucumbir diante das sangrias, muitas vezes aplicadas por outras crianças integradas à tripulação. Aos pais, nem os corpos restavam, pois estes eram sepultados no mar ou devorados pelos muitos tubarões"50 que sempre seguiam as naus em busca dos cadáveres que dia a dia eram atirados do navio ou daqueles que caíam acidentalmente ao mar.

“HOMENS AO MAR” 

Além de enfrentar inúmeros riscos e um cotidiano quase tão difícil quanto o dos tripulantes, as crianças embarcadas, por não possuírem experiência marítima, acabavam caindo ao mar, e nestes casos havia pouco a fazer mesmo quando possuíam parentesco com elementos da nobreza. Em 1560, da nau São Paulo, “caiu ao mar uma moça sobrinha” de “Diogo Pereira de Vasconcelos, um fidalgo, que vinha provido das viagens de Pegú”, por culpa do próprio homem que “ia agasalhado com sua mulher”, que “indo tirar, ou pôr alguma cousa” desequilibrou a“filha de seu irmão”51. Esta menina “chamava-se Dona Isabel, de idade de 14 até 15 anos, muito fermosa e bem afigurada e caindo, enquanto deram com a nau por davante, ia já meia légua”52. Apesar dos avisos e gritos de “homens ao mar”, quando deu o capitão pelo fato não havia mais muito a ser feito, pois ela tinha sido vista por “todos sempre sobre a água, batendo os pés, e com as mãos”53, já bem distante da embarcação.




O ataque de navios piratas era perigo iminente. Fortemente armados,poucos sobreviviam às batalhas com tão temido inimigo.

Mesmo sendo membro da nobreza, diante das ordens do capitão para que se fizesse a volta a fim de socorrê-la, primeiramente, tanto o mestre como o piloto da nau se recusaram a descer o batel, pois em sua opinião de nada adiantaria. Depois, sob a ameaça do capitão de “cortar a cabeça à mesma hora” a quem o desobedecesse, “de que levou de uma espada para o fazer; com o qual medo todos os marinheiros (...) começaram a ajudar a deitar o esquife ao mar”54, finalmente a nau fez a volta. Mas a tentativa de resgate mostrou-se inútil. De fato, quando se caía ao mar, não havia grande coisa a fazer. No caso da menina Isabel,

depois de duas grandes horas (...) a acharam sem fala sobre a água, que andava acabando de morrer: trouxeram-na, e já quando na nau entrou, vinha de toda morta, com um rosto tão sereno, e bem assombrado, que parecia viva; andou quase uma hora sobre a água, viva e morta sem nunca ir ao fundo; 

de modo que tudo que restou a fazer foi encomendar-lhe o padre, “e em uma alcatifa, com pelouro aos pés, lançar-lhe de volta ao mar”55. Ilustrativa, a morte da menina Isabel revela que, ainda que houvesse empenho em salvar aqueles que caíam da embarcação, principalmente no caso de crianças, não havia muito a ser feito, mesmo quando o mar estava calmo. Quanto mais nova a criança, maior o perigo de uma queda e menor a chance de sobreviver, sobretudo se não soubesse nadar. Embora qualquer passageiro estivesse exposto a este risco, os pequenos, por sua inexperiência, estavam mais expostos sobretudo durante as constantes tempestades. Em 1583, o capitão Estêvão Alvo, mesmo possuindo experiência marítima, não escapou de ser atirado ao mar com seu sobrinho durante um “temporal, quando, provavelmente, tentava salvar o pequeno, sendo que ambos nunca mais apareceram”56.

Mesmo durante a mais completa calmaria, o balanço da embarcação era responsável por inúmeras quedas, pois o costado das naus não garantia segurança. Em 1596, antes da nau São Francisco naufragar, nada menos que quatro crianças por “inocência (...) caíram ao mar, dous à ida de Portugal para a Índia, e dous (...) das Índias para Portugal”57. Dois meninos que por não “saberem nadar, se afogaram, sem lhes poder salvar, trabalhando muitos por isso”, o que causou muita lástima entre a tripulação e os passageiros,provavelmente por serem crianças muito novas; e dois meninos que conseguiram por milagre ser salvos, um que “caindo (...) em proa veio sobre a água até popa, onde o foram tomar, e alar por um bracinho” e o outro que “andou tanto sobre a água, até outra nau, que vinha atrás, chegou a ele, e o tomou”58.

CORSÁRIOS E PIRATAS

Em meio aos inconvenientes do dia a dia no mar, que para as crianças eram sempre mais contundentes, outro perigo a rondar eram os temíveis corsários e piratas. Enquanto os piratas franceses eram tidos como os mais civilizados, os holandeses costumavam agir com violência e desprezo, e os ingleses tinham fama de serem implacavelmente cruéis"59. Quando por ocasião de um ataque pirata, as embarcações portuguesas sempre em estado lastimável e mal-equipadas, dificilmente conseguiam defender-se. Nelas, as crianças, qualquer que fosse a categoria em que haviam embarcado, eram quem mais sofriam. Frequentemente, como mostra tanto a História Trágico-Marítima quanto as Relações da Carreira da Índia, os piratas assassinavam ou deixavam à deriva para morrer no mar os adultos, capturavam os nobres a fim de obter um resgate por eles, e escravizavam as crianças, sobretudo as pertencentes aos estamentos mais baixos, forçando-as a servir em suas embarcações, ou ainda vendendo-as aos bordéis no mercado pirata das Antilhas ou da Ásia, quando se tratavam de meninas.




Na iminência de naufrágios, os pais esqueciam seus filhos nas embarcações e oscomandantes preferiam salvar barris com biscoitos a crianças.


Em 1540, o capitão António de Faria aprisionou no oceano Índico uma pequena embarcação pirata, onde encontrou

grande cabedal em fazenda de veniagas, muita artilharia, na maior parte pilhada de naus portuguesas, três arcas encouradas de colchas, fatos, prata lavrada, tudo de Portugal, espingardas, pólvora e, entre semelhantes despojos, nove criancinhas, de seis a oito anos,

 aprisionadas após o saque a algum navio português, com “anilhas de ferro nas pernas e algemas na mão, em tão mísero estado que não tinham senão a pele pegada aos ossos”60.

 Para os piratas, a captura de crianças representava uma alternativa ao aprisionamento dos adultos. Elas eram mais facilmente controladas, ao passo que os homens podiam sempre se revoltar e tomar a embarcação na primeira oportunidade; as mulheres se suicidavam, como ilustra a resolução de uma senhora portuguesa quando a nau Chagas foi capturada por ingleses em 1593, a quem parecia melhor “se deixar antes queimar, que despir-se”61.

O DRAMA DAS CRIANÇAS DURANTE OS NAUFRÁGIOS

Entre 1497 e 1653, os naufrágios atingiram na Carreira da Índia cerca de 20% dos navios partidos de Lisboa"62. Diante da imperícia de alguns pilotos, do excesso de carga, do desgaste natural das embarcações, da adversidade do tempo, e do ataque de piratas, o afundamento das naus era inevitável. Na iminência de um naufrágio, o desespero fazia com que até mesmo pais aparentemente zelosos acabassem esquecendo seus filhos no navio, condenando-os ao sepultamento no mar. Em 1589, durante o naufrágio da nau São Tomé, em que ia

D. Joana de Mendonça mulher que fora de Gonçalo de Azevedo, que ia para o Reino meter-se em um mosteiro, desenganada do mundo, (...) a qual levava consigo uma filha de menos de dous anos, com que estava abraçada, com os olhos nos céus pedindo misericórdia; 

foi preciso amarrá-la para descê-la ao batel, separando-a da filha, tiraram a menina de seus “braços, (para) entregá-la a uma ama sua”63. 

Em meio à confusão do momento, após embarcarem no batel as mulheres e os padres, junto com oficiais do navio e “alguns barris de biscoito, e água que lançaram no batel”, que “com eles se entulhou”, sendo necessário afastar-se da nau que estava a naufragar, sem que a mãe desse pela falta da filha. E

vendo D. Joana de Mendonça que lhe ficava a filha na nau, a qual via estar no colo da sua ama, que lá lha mostrava, mostrando-a com grandes prantos, e lástimas, foram tantas as mágoas, e cousas que disse, que moveu a todos a chegarem à nau, e pedirem a menina à ama, dizendo, que também a tomassem, senão que não haveria de entregar; e nunca a puderam persuadir a outra cousa, por muito que sua senhora lho pediu com lágrimas, e piedades, que puderam mover um tigre, se tivesse a criança em seus braços"64.

Todos os esforços foram vãos, pois “a moça estava empenada, e a nau dava uns balanços cruelíssimos”, de modo que foram obrigados a

afastarem o batel, porque se não metesse no fundo, o que foi com grande compaixão da triste mãe, que estava com os olhos na filha, com aquela piedade com que todas as costumam pôr nos seus, que muito amam; 

e “vendo que lhe era forçado deixá-la, tomando ela antes ficar” com sua filha, “e em seus braços, que a entregar àquelas cruéis ondas, que pareciam que já a queriam tragar, virou as costas para a nau, e pondo os olhos no céu” fez a única coisa que podia fazer, “ofereceu a Deus a tenra filha em sacrifício, como outro Isaac, pedindo a Deus misericórdia para si, porque sua filha era inocente, e sabia que a tinha bem segura”65. 

Embora “este espetáculo não tenha deixado de causar em todos gravíssima dor”66, os miúdos dificilmente tinham prioridade de embarque no caso de naufrágio. Optava-se quase sempre por fazer subir no batel apenas os membros da nobreza, oficiais da embarcação e tudo e todos que pudessem ser úteis à sobrevivência em terra, deixando as crianças entregues à sua própria sorte. Um barril de água ou biscoito, segundo a ótica quinhentista, tinha prioridade de embarque no batel sobre os pequenos não pertencentes à nobreza. 

Na verdade, a prioridade, no caso de afundamento, era muito relativa; como a maior parte das embarcações possuía apenas um batel com capacidade para transportar no máximo setenta homens"67, e um esquife com capacidade para o transporte de “dezanove”68 ou vinte pessoas, numa nau com oitocentos embarcados, apenas noventa podiam se salvar no bote salva-vidas; ou seja, apenas pouco mais de 11% dos embarcados podiam ser salvos no batel ou no esquife"69. Nestas circunstâncias, a escolha dos privilegiados ficava sempre a cargo do capitão que, ao contrário do dito popular, quase nunca afundava com seu navio. 

Poucos comandantes davam prioridade às mulheres e crianças, como procedeu o capitão da nau São Paulo, no momento de seu naufrágio, colocando-se “com uma espada nua defendendo o esquife”, de modo “que não entrasse ninguém nele, até que as mulheres todas, que seriam com algumas crianças trinta e três, e os meninos fossem em terra postos”70. A maior parte fazia embarcar somente fidalgos e figuras de destaque presentes na embarcação. Assim procedeu o capitão D. Luís no naufrágio da nau Santa Maria da Barca, em 1559, que em uma atitude análoga à de seu colega da nau São Paulo, “com uma espada na mão”, não deixou “entrar ninguém” no batel, “com tenção de tomar o piloto, o mestre, e alguns homens de obrigação, que ficavam na nau”71, leiam-se nobres e homens de posição. 

Em 1585, quando naufragou a nau Santiago, das “cinquenta e sete pessoas que se salvaram ‘no batel’”72, nenhuma era criança. Neste quadro, alguns pais zelosos e desesperados recorriam a inúmeros artifícios a fim de salvar seus filhos. Quando naufragou a já citada nau, a única criança a se salvar foi “um menino de nove anos, filho de Vicente Jorge, que se escondeu dentro do esquife”, onde iam dezenove adultos, “por industria do pai”73. Indo contra a mentalidade dominante no século XVI, nesta ocasião o pai sacrificou-se em benefício de seu miúdo. No entanto, as crianças embarcadas por artifício de seus pais, quando não pereciam em terra depois do naufrágio, podiam mesmo ser jogadas ao mar pelos adultos a qualquer sinal de perigo de soçobrar o esquife ou o batel, a fim de aliviar seu peso. Assim procederam os homens embarcados no batel da nau Santiago, quando “lançaram fora (...) dezassete pessoas”74, estando entre elas o menino Fernão Ximenes, que se ofereceu para ser lançado ao mar no lugar de “seu irmão que era mais velho”, e que era para suas irmãs"75 como um pai,


pelo que conveio a Gaspar Ximenes calar-se, chorando somente no coração, e pedindo misericórdia a Deus, encomendando-se com muita devoção à virgem Nossa Senhora dos Prazeres da Freguesia de S. Cristóvão de Lisboa, onde ambos se haviam criado"76. 

O sacrifício se mostraria no entanto em vão, pois o irmão e as irmãs de Fernão nunca chegaram a alcançar a terra. 

É curioso ainda notar que quando se fazia necessário jogar alguém ao mar, mesmo que fosse uma inocente criança, os religiosos dificilmente se intrometiam, temendo ser eles lançados à água em seu lugar. No mesmo naufrágio da nau Santiago, assistindo à cena descrita, “não se intrometeu nenhum dos religiosos que iam” totalmente alheios “de suas profissões (...) pelo que conveio calarem-se”77. 


Apesar das poucas crianças presentes a bordo poderem ser acomodadas em sua totalidade nas pequenas embarcações a servirem como bote salva-vidas, uma vez que estas estavam preparadas para atender 11% dos embarcados enquanto os pequenos não passariam de 5%, raramente os capitães davam prioridade de embarque às crianças, e mesmo quando resolviam embarcar as mulheres e crianças primeiro, consideravam como crianças as embarcadas como passageiros e as integradas às órfãs do Rei, excluindo as que serviam como grumetes ou pajens.

Entre todos os miúdos, os pajens e principalmente os grumetes, eram os que mais abandonados ficavam no caso de naufrágio, podendo contar na maior parte das vezes apenas consigo mesmos. Em meio à grande confusão que se seguia a todo e qualquer desastre marítimo, ficava muito difícil as crianças, entregues à sua própria sorte, sobreviverem sem o auxílio de um adulto, como o demonstra o relato do naufrágio da nau São Bento, em 1554.

No momento do naufrágio, “andava o mar todo coalhado de caixas, lanças, pipas, e outra diversidade de cousas, que a desaventurada hora do naufrágio faz aparecer, (...) baralhado com a gente, de que a maior parte ia nadando”, ao passo que os que haviam tido a sorte de escapar no batel tinham “a medonha” visão da muita

carniçaria que a fúria do mar em cada um fazia; e os diversos gêneros de tormento com que geralmente tratava a todos, porque em cada parte se viam uns que não podendo mais nadar andavam dando grandes trabalhosos arrancos que a muita água que bebiam, outros a que as forças ainda abrangiam menos, que encomendando-se a Deus nas vontades, se deixavam a derradeira vez calar ao fundo; outros a que as caixas matavam, entre si entaladas, ou deixando-se atordoadas, as ondas acabavam marrando com eles os penedos, outros a que lanças, ou pedaços da nau, que andavam a nado os espedaçavam em diversas partes manchadas de uma cor tão vermelha como o próprio sangue, do mundo que corria das feridas aos que assim acabavam seus dias"78. 

Como deixa claro a cena, enquanto as crianças menores acabavam inevitavelmente sucumbindo à fúria do mar, outras mais velhas, quando sabiam nadar, lutavam desesperadamente por suas vidas. No naufrágio da nau Santiago, “um moço de 15 anos nadou quase meia légua, e chegou ao batel afastado de toda a mais gente que nadava; puseram-lhe uma espada diante” a fim de evitar seu embarque, “a qual ele naquele conflito não temeu, mas antes, como se lhe fora dado cabo, pegou dela, e não desapegou dela sem o recolherem, a troco porém de uma grande fenda na mão”79.

Embora algumas crianças lutassem bravamente por suas vidas no momento do naufrágio, poucas conseguiam se salvar quando tornadas náufragas. Na maior parte das vezes, adulto ou criança, todos que escapavam da morte no mar, pensando ter tido sorte em sobreviver, estavam apenas no início de um longo martírio. As dores do naufrágio eram apenas o princípio de um sofrimento muito mais intenso, marcado pela fome, pelo medo e por inúmeras dificuldades. Em condições como estas, as poucas crianças que sobreviviam, já intensamente castigadas pelo cansaço físico e o trauma psicológico, dificilmente conseguiam ter sorte diferente em terra.

CRIANÇAS NÁUFRAGAS

Quando a embarcação naufragava distante da costa, podia-se ficar dias à deriva. Neste caso, na falta de água e alimentos, as crianças, quando conseguiam sobreviver ou novamente embarcar, ou eram simplesmente atiradas ao mar, ou eram as primeiras a perecer por inanição. A bordo do batel, a mortalidade infantil era tão alta que em 1589, quando naufragou a nau São Tomé, dos 10480 embarcados no batel, apenas 98 chegaram vivos a terra, entre esses alguns poucos eram crianças, e mesmo assim já adolescentes, pois entre os miúdos embarcados como passageiros nenhum sobreviveu, salvando-se apenas alguns grumetes"81.



 Na gravura, desespero e morte restaram para esta tripulação, horas depois da tomada do navio por piratas.

Mesmo quando crianças conseguiam chegar vivas a terra, dificilmente sobreviviam à falta de víveres, ao frio ou calor escaldante das matas, ao regime de marchas forçadas em busca de socorro e aos constantes ataques de nativos. Em meio ao grande número de corpos e aos destroços que apareciam na costa, quando a praia se achava “toda coberta de corpos mortos, tão feios e disformes uns por riba, outros por baixo (...) e muitos que não pareciam mais que os braços, pernas, ou cabeças”82,

como se não bastasse o impacto psicológico da cena, as crianças eram condicionadas ao mesmo ritmo de trabalho dos adultos, que por sua vez procuravam se reagrupar a fim de buscar auxílio ou ainda de construir uma jangada com os destroços do navio. Quando a já citada nau São Paulo naufragou, todos os sobreviventes foram forçados a trabalhar a fim de que se construísse uma jangada, incluindo aí oito dos grumetes"83 sobreviventes, quase todos menores de 12 anos, que já habituados a um cotidiano duro e cheio de privações, sem poder contar com a proteção de um único adulto, foram exauridos ainda mais do que já o eram no mar.

Contudo, quando náufragas, dificilmente as crianças conseguiam sobreviver, mesmo quando protegidas por um adulto. Em 1552, durante o naufrágio do galeão Grande São João, o capitão Manoel de Sousa Sepúlveda salvou-se com sua mulher e seus três filhinhos; o primeiro de seus familiares a perecer foi seu filho bastardo de “dez ou 11 anos, (...) que vindo já muito fraco da fome, ele, e um escravo, que o trazia às costas, se deixaram ficar atrás” dos outros sobreviventes, de modo que “quando Manuel de Sousa perguntou por ele, que lhe disseram que ficava atrás obra de meia légua”, apelou para que alguém saísse em sua busca, não encontrando ninguém disposto a fazê-lo mesmo a troco de pagamento, terminando por se conformar com sua perda, pois só podia ter sido ele devorado por alguma fera ou estar em companhia de “António de Sampaio, sobrinho de Lopo Vaz Sampaio, governador que foi da Índia: e cinco, ou seis homens portugueses, e alguns escravos (mortos) de pura fome, e trabalho do caminho”84.

Mais tarde, devido às diversas dificuldades vividas pelo capitão Sepúlveda, este “já andava muito doente e fora de seu juízo”85, vindo sua mulher e seus dois filhos muito debilitados “dos grandes trabalhos, que não podia já andar, nem tinha escravos que o ajudassem”, tomou a determinação de “acabar com sua família, quando Deus disso fosse servido”86. Antes, no entanto, que pudesse realizar seu intento, depois que seu grupo foi atacado por nativos que os despiram e levaram todos os seus pertences, deixando ele, sua mulher e filhos nus, tendo saído “ao mato buscar frutas (...) quando tornou, achou D. Leonor”, sua esposa, “muito fraca, assim da fome, como de chorar (...), e achou um dos meninos morto, e por sua mão o enterrou na areia”87.



Criança de elite: como esta, tantas cruzaram os oceanos a caminho do Novo Mundo. Os fios de coral funcionavam como amuleto contra a má sorte dos naufrágios.


No “outro dia tornou Manuel de Sousa ao mato a buscar alguma fruta, e quando tornou, achou D. Leonor falecida, e o outro menino”, chorando muito por sua mulher, mas fazendo “pouca conta” do menino, o que demonstra o desinteresse da época em relação às crianças, enterrou “o filho com ela, e acabando isto, tornou a tomar o caminho que fazia, quando ia buscar frutas, sem dizer nada às escravas, e se meteu pelo mato, e nunca mais o viram”88. 

A tragédia familiar de Sepúlveda certamente não foi a única. Mas por ter sido o único caso onde restaram sobreviventes para contar o ocorrido causou grande comoção em Portugal, ilustrando a situação pela qual muitas outras famílias devem ter passado depois dos tormentos do naufrágio. Outro exemplo temos no caso vivido pela família do governador Manuel de Sousa Coutinho que viajando de volta a Lisboa com sua mulher, e filhos, desapareceu em 1590."89 O que demonstra que muitas vezes, mesmo quando os pequenos náufragos tinham a proteção de adulto, eles dificilmente sobreviviam porque mesmo para os adultos era quase impossível resistir aos obstáculos em terra. 

Não obstante, em algumas raras ocasiões, crianças conseguiam manter-se vivas, como o demonstra o caso de um garoto português chamado Lourenço, com quem cruzou os da nau São Francisco em 1596, que indo “com seu pai para Índias de Castela”, escapando do naufrágio da embarcação em que viajava, sobrevivia em terra sozinho há “mais de dous anos”90. No entanto, casos como este devem ter sido esporádicos, pois sem o auxílio de adultos quase nunca as crianças conseguiam escapar de um destino trágico. Sobreviver a um naufrágio era apenas um “áspero castigo em corpos tão miseráveis”91, já desgastados pelo duro cotidiano das naus portuguesas do século XVI, e ainda mais maltratados pelos constantes desastres marítimos na Carreira da Índia ou do Brasil.

CONCLUSÃO

Em uma época em que meninas de 15 anos eram consideradas aptas para casar, e meninos de nove anos plenamente capacitados para o trabalho pesado, o cotidiano infantil a bordo das embarcações portuguesas era extremamente penoso para os pequeninos. Os meninos não eram ainda homens, mas eram tratados como se fossem, e ao mesmo tempo eram considerados como pouco mais que animais cuja mão de obra deveria ser explorada enquanto durasse sua vida útil. As meninas de 12 a 16 anos não eram ainda mulheres, mas em idade considerada casadoura pela Igreja Católica, eram caçadas e cobiçadas como se o fossem. Em meio ao mundo adulto, o universo infantil não tinha espaço: as crianças eram obrigadas a se adaptar ou perecer. 

Se por um lado foram poucas as crianças embarcadas nas naus quinhentistas rumo ao Brasil, por outro lado, a mão de obra infantil, em substituição à adulta, tornou-se indispensável à epopeia marítima. Neste sentido, seriam os grumetes e pajens considerados crianças ou eram vistos como adultos em corpos infantis? Ao que parece, embarcavam em Lisboa crianças que no decorrer de sua primeira viagem, antes de chegar ao Brasil, tornavam-se adultos, calejados pela dor e pelo sofrimento.

Não obstante, poucas crianças, quer embarcadas como tripulantes ou passageiros, conseguiam resistir à insalubridade das embarcações portuguesas, à inanição e às doenças; e um número ainda menor sobrevivia em caso de naufrágio. Se eram poucas as crianças embarcadas, o número de pequenos que chegavam vivos ao Brasil, ou mesmo à Índia, era ainda menor, e com certeza nenhum conseguia chegar ileso ao seu destino. O menor mal que podia sofrer após viver alguns meses no mar, quando tinha sorte, era o de sofrer um grande trauma e deixar de ser criança; ver seu universo de sonhos, esperanças e fantasias desmoronar diante da cruel realidade do cotidiano das naus do século XVI; perder sua inocência para nunca mais recuperá-la.

Outras crianças, menos afortunadas, quando não pereciam durante a viagem, enfrentavam a fome, a sede, a fadiga, os abusos sexuais, as humilhações e o sentimento de impotência diante de um mundo que não sendo o seu tinha que ser assimilado independentemente de sua vontade. Combater o universo adulto desde o início seria tentar vencer uma batalha que já estava perdida.

A história do cotidiano infantil a bordo das embarcações portuguesas quinhentistas foi, de fato, uma história de tragédias pessoais e coletivas. A história das crianças, de qualquer idade, nas naus do século XVI só pode ser classificada, portanto, como uma história marítima trágica, ou se preferirem como uma história trágico-marítima.

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NOTAS


Café com Notícia 19 de Fevereiro 2021

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